sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

O novo salto da consciência - Ricardo Kelmer


O novo salto quântico da consciência
Ricardo Kelmer

É provável que as plantas psicoativas possam ter contribuído
significativamente para o surgimento da autoconsciência.

A cada dia mais e mais pesquisadores ligados ao estudo da consciência,
antropologia, psicologia e botânica se debruçam sobre uma possibilidade no
mínimo intrigante e polêmica. É provável que as plantas psicoativas (que
induzem a mente a funcionar em estados especiais) possam ter contribuído
significativamente para o surgimento da autoconsciência, fator decisivo que
proporcionou aos nossos ancestrais, num determinado ponto da evolução, as
condições para sobreviver e gerar a incrível espécie a qual pertencemos: o
Homo sapiens.

Admitir tal hipótese é mexer num vespeiro. Muita gente se indagará: "Quer
dizer que nós humanos só existimos porque um bando de macacos comeram umas
plantinhas e ficaram doidões?" Imagino os mais religiosos: "Era só o que
faltava! Deixa só Deus escutar isso!" Pois infelizmente para muita gente, e
até para alguns deuses, essa hipótese vem sendo estudada com seriedade e
encontra ressonância positiva no meio científico.

Quem já passou por uma experiência com as tais "plantas sagradas", como a
Ayahuasca, o Peiote e a Jurema, sabe perfeitamente do imenso poder que elas
guardam. E sabe também que elas não se prestam a um consumo recreativo,
exatamente porque costumam tocar muito fundo em nosso interior, abalando
nossa compreensão da realidade e de nós mesmos e nos fazendo emergir da
experiência profundamente transformados. Xamãs e pajés do mundo inteiro as
utilizam há milhares de anos em contextos religiosos e terapêuticos.
Atualmente médicos e pesquisadores de vários países estão unindo medicina
acadêmica com antiquíssimas práticas xamânicas que envolvem o uso de plantas
psicoativas e, com essa curiosa união, vêm obtendo resultados animadores na
cura de muitas doenças como a dependência química.

Atualmente no Brasil proliferam-se seitas e dissidências de seitas que em
seus rituais utilizam chás à base dessas plantas, chamando a atenção de
estudiosos para o emergente fenômeno. Toma-se o chá para entrar num estado
de consciência não ordinário, onde é possível viver experiências sensoriais
e cognitivas as mais diversas. Há quem encontre pessoas vivas ou mortas,
santos, entidades animais ou espíritos de plantas. Há os que experimentam
capacidades psíquicas incomuns ou vivenciam uma intensa sensação de união
com a Natureza e tudo que existe. Há quem passe por profundas experiências
de auto-investigaçã o psicológica como também de autocura ou seja tocado por
revelações importantes que podem mudar toda uma vida. Pode não acontecer
nada mas também pode ser prazeroso ou doloroso. Pode ser infernal ou divino
mas será sempre construtivo. Depende de cada um e de seu momento. Os
religiosos radicais, sempre obcecados, diriam que é coisa do demônio. Alguns
psicólogos talvez usassem o termo "terapia de choque". Talvez nada mais seja
que um providencial reencontro consigo mesmo e com sua verdade mais íntima.

Por que a crescente procura atual pelas plantas de poder dos xamãs? Por qual
razão tantas pessoas ousam se submeter a uma experiência incerta, largando a
segurança de sua mente cotidiana e desafiando o desconhecido de si mesmo?
Minha impressão é que isso tudo talvez signifique, em última instância, uma
forma de religação à Natureza. Religação sim, porque, na verdade, nós também
fazemos parte da Natureza. O que houve é que, infelizmente, passamos a nos
ver separados dela e com isso nos distanciamos demais da sabedoria natural
do planeta e agora, perdidos num mundo cada vez mais caótico e insano,
buscamos com avidez crenças e experiências que nos reconectem ao sentido
maior da vida e às nossas verdades mais profundas. Entendo isso como um
anseio natural e legítimo de uma espécie adoecida: o anseio de cura,
liberdade, totalidade e harmonia com a Mãe Terra.

o que liberta também escraviza

Por minha própria experiência, sei que plantas psicoativas podem ser
bastante úteis porque nos fazem olhar para dentro, nos reconectam às leis
naturais e ao sagrado de nossas vidas, nos lembram de nosso potencial para a
autocura e ajudam a nos libertarmos de medos, culpas e bloqueios. Não há
como não se transformar após um profundo encontro consigo mesmo. É por isso
que quem passa por tais experiências xamânicas engrossa a legião dos que
entendem o mais importante: somente a profunda mudança interior de cada um é
que fará finalmente com que o mundo mude para melhor.

Este talvez seja o convite que as plantas sagradas fazem neste momento à
nossa espécie: quanto mais pessoas se religarem à sua verdade mais íntima,
mais próxima a humanidade estará de seu ponto de equilíbrio. Por outro lado,
sei também que a espécie humana está doente e que, na busca angustiada pela
cura, é capaz de exagerar no remédio. Por isso, nessa urgente busca por
valores espirituais, é preciso, acima de tudo, priorizar a liberdade e
atentar para o risco sempre presente de cairmos escravos exatamente daquilo
que um dia elegemos como libertador. As plantas sagradas não ficam de fora
desse perigo. Tenho amigos que fazem parte de seitas que utilizam tais
plantas e certamente discordarão. Respeito o que eles pensam e admiro sua
busca pessoal. Porém, como tudo o mais que existe, as plantas sagradas
também possuem dois lados. Se um lado liberta, o outro está lá prontinho
para escravizar caso você não se mantenha atento, equilibrado e sem apegos
excessivos.

Religiões, seitas e gurus funcionam muito bem para os que necessitam de
regras ou se sentem mais seguros pertencendo a um certo grupo. Eles estão em
seu caminho e isso deve ser respeitado. Mas há pessoas que conseguem beber
em todos os ensinamentos e usufruir do melhor que eles lhes oferecem sem ter
de se enquadrar em nenhum específico. É um caminho mais solitário, evidente,
e exige um contínuo "estar aberto" - mas que exatamente por isso recompensa
quem o trilha com a liberdade que nenhum outro caminho pode oferecer. As
regras da seita ou as palavras do guru podem até iluminar durante um tempo,
sim, mas até mesmo essa luz pode cegar para os horizontes seguintes da
jornada. O principal ensinamento das plantas de poder (assim como deveria
ser o de todo guru) é este: devemos abandonar todas as muletas e aprender a
caminhar por nós mesmos.

O atual processo coletivo de reconectar-se aos valores da Natureza através
das plantas psicoativas não significa uma espécie de retrocesso evolutivo e
que devemos voltar a saltar pelas árvores. Nada disso. Uma vez
ultrapassados, os marcos da evolução da consciência sempre nos impulsionam
para o novo, jamais para trás. Acontece que a verdadeira evolução avança em
forma de espiral e é por isso que quando o caminho parece retornar a um
determinado ponto, na verdade ele está sim passando novamente por lá - porém
num novo nível, mais acima, numa nova dimensão.

Talvez essas poderosas plantas, que acompanham nossa espécie desde seu
nascimento numa impressionante relação simbiótica, estejam agora nos
oferecendo a preciosa oportunidade de mais um salto quântico da consciência,
uma intensa transformação da mente e de sua interpretação da realidade -
como fizeram nossos peludos antepassados em algum ponto de sua jornada.
Agora, porém, diferente deles, possuímos razão e discernimento. Possuímos
milênios e milênios de experiência sedimentados no inconsciente comum da
espécie e temos nossos próprios erros para nos guiar.

Retornaremos à Mãe Terra e ao sagrado, sim, porque não há outro caminho se
quisermos de fato sobreviver como espécie. Mas o faremos num novo nível
porque agora estamos mais capacitados para enfrentar o grande mistério da
vida, esse mistério que nos maravilha e assombra cada vez que olhamos para o
sem-fim do mundo lá fora ou para o infinito interior de nós mesmos.

Ricardo Kelmer é escritor, letrista e roteirista e mora em São Paulo, Terra,
3a. pedra do Sol

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