quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Um corpo vivo e emocionado
 
Ana Christina de Andrade
 
"Você é o seu corpo"
Para alguns esta afirmação pode parecer limitadora e apoiada na vaidade, num cultivo narcisista da aparência. No entanto o que é corpo? De que corpo se fala? Os instrutores do Coringa Rio Abierto, como tantos outros trabalhadores do ser que vêm surgindo no mundo, mais abertamente desde a década de 70 ( gestaltistas, seguidores da Bioenergética, da Biossintese, da Psicologia Formativa e muitos outros) acreditam que não "temos" um corpo e sim somos nosso corpo. Corpo e mente não são separados: pensar, sentir, agir, imaginar, tudo isso é corpo, é processo vital, fluir da energia.
O grupo Coringa começou como um grupo de dança / teatro, nos anos setenta, reunindo pessoas de diferentes formações, de 20 a 30 anos, alguns com experiência em teatro, outros em música ou artes plásticas; outros mais dançarinos, poetas, filósofos; um ou outro com a experiência de viver em comunidades espirituais, um outro, professor, outro engenheiro.
Em matéria de corpo muitos foram alunos de Angel Viana, outros de Gerry Maretsky.
Outros fizeram kempô com o Joo, ou foram discípulos de Rolf Gelewsky.
O que havia em comum nesse grupo?
O amor pelo humano, a vontade de expressão artística, o respeito profundo pelo corpo, o desejo de crescer e Ser. O grupo Coringa inicial se apresentava em espetáculos de dança-teatro . Adorado por uns, ganhador de prêmios em Dança Contemporânea que reconheciam principalmente seu espirito espontâneo, verdadeiro e audacioso; e detestado por outros, críticos mais tradicionais com menos compreensão da variedade da evolução humana, de qualquer forma o Grupo Coringa destacou-se nesse momento social do Rio de Janeiro. A diretora do grupo era Graciela Figueroa, bailarina, profunda, amorosa, carismática; integrante do grupo de Dança de Twyla Tharp, respeitadíssima nos Estados Unidos, em Nova York, Graciela optou por ficar na América do Sul e no Brasil, e dedicar seu talento exuberante à criação de um trabalho que privilegiasse o sentir humano.
Com o passar do tempo o grupo Coringa foi tendo necessidade de firmar-se cada vez mais dentro da área da Educação do Ser e de aprofundar sua nutrição psicológica e espiritual. O encontro com Maria Adela Palcos, psicóloga argentina e diretora do Instituto Rio Abierto, em Buenos Aires, foi decisivo para o grupo, que hoje em dia representa o Rio Abierto aqui no Rio de Janeiro. Maria Adela Palcos, hoje com 65 anos, é, como ela mesma se define, uma índia que precisou vestir a pele de psicanalista para poder atuar socialmente. Sensível à força da terra americana, ao esplendor da Cordilheira dos Andes, à graça e amorosidade das tribos indígenas americanas, Maria Adela criou toda uma técnica que alia a espontaneidade do movimento natural ao conhecimento refinado de psicologia e sociologia, tornando seu trabalho um dos mais importantes na área de Educação do Ser. Este trabalho chama-se Rio Abierto e fala da possibilidade de expansão e fluência de nosso ser humano. Hoje no Rio de Janeiro o grupo se chama CORINGA Rio Abierto e é dirigido por três dos integrantes do grupo inicial: Ana Christina de Andrade, Marília Felippe e Michel Robim. Graciela Figueroa mora hoje no Uruguay, onde fundou seu próprio Instituto ( Centro del Desarollo), e mantém permanente intercâmbio com o CORINGA Rio Abierto.
Quando pensamos em Rio Abierto, pensamos em fluir.
A fluência, como nos lembra Stanley Keleman, é uma função celular básica; se vemos o protoplasma num microscópio, vemos que ele flui, tem correntes, como um rio . No entanto são poucos os que têm consciência desse fluir e que sentem seu corpo como esse fluir, pois a maioria de nós está entupida, paralisada ou interrompida por bloqueios profundos, contrações físico-emocionais vividas talvez lá no começo de nossas vidas e que impedem o movimento.
O objetivo do trabalho do Rio Abierto é recuperar esse movimento, trazer de volta ao ser humano suas águas correntes, o riso, o choro, os líquidos do amor e do prazer, a confiança no fluir da vida e do tempo. Maria Adela Palcos, criadora do Rio Abierto, costuma chamar seu trabalho de "Yoga das Américas" no sentido de ser um processo que, como a Yoga oriental, vai aprofundando a consciência através da meditação no corpo e que acrescenta à concentração a vitalidade e a expressividade emocional, tão características dos povos ocidentais e americanos.
No CORINGA Rio Abierto, quando se fala de corpo é de um corpo vivo, emocionado, humanizado; o corpo que tem uma história, que tem marcas, que tem perguntas; o corpo original, pessoal, único, de cada um, que vive diferentemente suas várias idades; o corpo que pode criar novas formas para si, mover-se, pulsar, cantar, rir e chorar, sentir, pensar, ser solidário, compartilhar, amar.
O objetivo estético, da beleza do corpo, está incluído no trabalho também – a beleza é vista como graciosidade, vivacidade, força aliada à sensibilidade, prazer de viver a vida em todas as suas expressões. É uma beleza de estar em contato consigo mesmo e permeável aos outros e ao mundo, interligado ao universo. Viver assim melhora a saúde, faz a energia circular, os olhos brilharem, a emoção aflorar.
Pessoas de todas as idades podem participar, cada uma contribuindo com sua presença, sua forma particular, sua história, suas experiências.
Consideramos "Educação do Ser" um processo para a vida toda, um contínuo esculpir da nossa forma pessoal, interessado, curioso , sempre aberto a mudanças.
Arte e auto-cura se entrelaçam no processo de desenvolvimento, ampliando a consciência. A música, a dança e as artes plásticas sempre foram curativas, sempre utilizadas nas tribos como apoio dos ritos de passagem, (nascimento, morte, guerra, casamentos, colheitas, mudanças, celebrações). Recuperar esta conexão entre expressão artística-emocional e auto-conhecimento curativo é com certeza um dos mais férteis caminhos para a humanidade.
Praticamente, esse trabalho do CORINGA Rio Abierto utiliza várias ferramentas:
  1. O MOVIMENTO, que é chamado de Movimento Harmônico. É uma ginástica de corpo e alma, elástica e alegre, com ritmo e musicalidade. Ao contrário do que possa parecer, não se trabalha sempre com movimentos lentos e calmos. Harmônica é considerada aqui a possibilidade de variar, de percorrer várias cores, ritmos, músicas, expressões. Poder gritar, saltar, correr, esbravejar, rodopiar nos êxtases extremos e poder também viver o profundo momento concentrado e silencioso, navegar calmamente num movimento contínuo, abrindo o coração em gestos emocionados. Dentro desse trabalho há a orientação de dar a mão tanto a Apolo quanto a Dionisos – Apolo reunindo, concentrando, ordenando, diferenciando no "Conhece-te a ti mesmo" do oráculo de Delfos, e Dionisos soltando a expressão, o júbilo, a exuberância, abrindo as portas para "o útero materno do Ser". Os exercícios da aula de Movimento Harmônico melhoram a postura física e emocional, alongando e tonificando e flexibilizando o corpo.
  2. A MASSAGEM – A massagem no Sistema Rio Abierto segue a filosofia básica do trabalho: abrir o rio de nossa vivacidade, dar apoio ao corpo para que confie, respire e possa entregar-se ao contato e ao prazer;
    É uma massagem circulatória e energética que possibilita que a pessoa experimente o seu pulsar, o sentir seu próprio ritmo, o observar-se e usufruir da gratidão por estar vivo.
    A massagem pode ser apolínea, ou dionisíaca, ou ambas..., alivia as dores, aumenta a sensibilidade e auto-consciência, abre horizontes emocionais e espirituais, melhora as funções orgânicas.
  3. A MEDITAÇÃO - Faz parte do trabalho do Rio Abierto a meditação, feita em movimento ou na pausa, com música ou em silêncio. O poder parar e silenciar nos permite receber inspiração, orientação e apaziguamento. É só experimentar e verificar as grandes mudanças que começam a acontecer a partir de um pouquinho de prática diária.
  4. OS GRUPOS DE "TRABALHO SOBRE-SI" – São grupos de aprofundamento, com caráter terapêutico. Por terapêutico, mais uma vez, estamos entendendo educacional do Ser – não é "consertar o que está errado", é muito mais compreender, aceitar e reorganizar.
        Este trabalho de grupo é semanal, dura 4 meses, inclui atendimentos individuais e aulas de movimento, e no final se encerra com uma pequena viagem para fora do Rio onde o grupo organiza uma apresentação baseada em suas experiências. A cada semestre é escolhido um novo tema, como por exemplo : "A expressão no corpo" ; "A luz da nossa sombra" ; "Dinâmicas da sexualidade".
        Os Instrutores do Coringa Rio Abierto têm a experiência de coordenar grupos há mais de 15 anos. Sempre é uma aventura profunda e feliz que nos emociona e também diverte. O poder rir de nós mesmos, de nossas imperfeições e repetições nos ajuda a aumentar a aceitação de nossas dificuldades, podendo começar a mudar, de fato, e começando por pequenas coisas.
        Nos grupos de Trabalho Sobre-Si cuidamos da importância de acolher a fala de cada um, desenvolvendo o poder expressar e o saber ouvir, e cultivamos o propósito de sempre levar para o corpo os temas trazidos por cada um , usando técnicas de dramatização, movimento e dinâmicas de grupo. Este "trazer para o corpo" é algo simples, que todos podemos fazer, e que muitas vezes nos revela aspectos surpreendentes de nós mesmos. Não é mímica, teatro nem dança exatamente, e é um pouco de tudo isso, é um trabalho que, como em todas essas expressões, necessita concentração, sensibilidade, e o cuidado de um artista com a sua obra.
* ANA CHRISTINA DE ANDRADE – Diretora e Instrutora Docente do CORINGA Rio Abierto , formada em Psicoterapia Corporal com orientação em Bioenergética; participa do grupo profissionalizante em Psicologia Formativa (método Stanley Keleman) com Leila Cohn; Terapeuta Psicocorporal formada pela Fundação Rio Abierto.
O Coringa Rio Abierto, no Rio de Janeiro é dirigido por Ana Christina de Andrade, Michel Robim e Marília Felippe.
MICHEL ROBIM – engenheiro químico, formado pela Fundação Rio Abierto como instrutor docente e terapeuta psicocorporal, membro da Fundação Internacional Rio Abierto e dançarino
MARÍLIA FELIPPE – Formada em Educação Física, na UFMG, pela Fundação Rio Abierto como instrutora e terapeuta psicocorporal e em dança com Graciela Figueroa.
Rio Abierto no Mundo:
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Para contato:
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sábado, 10 de novembro de 2012

Ecofeminismo


Gênero e meio ambiente: 

a atualidade do ecofeminismo


A preocupação com o meio ambiente tem aumentado no decorrer dos anos. Já não é mais possível esconder a relação existente entre as catástrofes naturais e a destruição e poluição do meio ambiente. A crise ambiental está gerando problemas de caráter alarmante, os quais, além de comprometer a qualidade de vida, em muitos casos danificam o meio ambiente de forma irreversível, colocando em risco a vida do planeta para as gerações atuais e futuras.
Os problemas ambientais não devem ser entendidos isoladamente, visto que são sistêmicos, interligados e interdependentes. O capitalismo, centrado na exploração de recursos naturais e seres humanos tem contribuído decisivamente para o aprofundamento da destruição ambiental. Como já afirmava Engels: “não devemos vangloriar-nos demais com as vitórias humanas sobre a natureza, pois para cada uma destas vitórias, a natureza vinga-se às nossas custas” (ENGELS, 1972: 452).
No decorrer da história da humanidade, as mulheres têm desenvolvido uma relação diferenciada com a natureza em comparação aos homens. Neste texto, analisamos a pré-disposição das mulheres em proteger o meio ambiente e qual a relação existente entre a exploração e dominação da natureza e a dominação e subordinação das mulheres nas relações de gênero. Nesta análise, o movimento ecofeminista apresenta elementos importantes para a compreensão desta relação, contribuindo para a superação de visões simplificadoras acerca do tema.
1. A relação das mulheres com a natureza
Uma das primeiras representações divinas criadas pelos seres humanos foi a figura da “Deusa”, que representava a “mãe terra”. Conforme a mitologia grega, a Grande Mãe criou o universo sozinha, sendo Gaia a criadora primária, a “Mãe Terra”. Também as religiões pagãs antigas, como dos Vikings e Celtas, mantinham uma relação próxima com a natureza e cultuavam deusas, concedendo um destaque especial para as mulheres, pois estas tinham uma proximidade muito grande com a “Mãe Terra”, possuindo ambas o poder da fertilidade. Na mitologia celta, as mulheres eram invulneráveis, inteligentes, poderosas, guerreiras e líderes de nações. As mulheres também foram os primeiros seres humanos a descobrir os ciclos da natureza, pois era possível compará-los com o ciclo do próprio corpo. Com o cristianismo, a sociedade ocidental afastou-se destas origens pagãs de contato com a natureza e a mulher perdeu seu destaque, já que o Deus cultuado passou a ser masculino. A única figura feminina sagrada preservada foi a de Maria, mas não como uma divindade, e sim como uma intermediária de Deus, uma coadjuvante.
Diante da crise ambiental mundial e da consciência de que a Terra precisa ser preservada para garantir a sobrevivência das espécies, inclusive a humana, houve um despertar de valores ecológicos, ou seja, valores ligados à “Deusa” cultuada pelos povos pagãos, como o respeito a todas as formas de vida no planeta, a convivência na diversidade, etc.
2. O “cuidado” como tarefa feminina
A opressão e submissão das mulheres surgiram muito antes do capitalismo. Seu surgimento pode ser verificado historicamente desde que os povos deixaram de ser nômades e utilizaram a divisão social do trabalho como forma de organização. Assim, as mulheres permaneceram mais ligadas ao lar e aos filhos, enquanto os homens se ocupavam prioritariamente com as caçadas, por serem, na maioria das vezes, dotados de maior força física. Assim, as mulheres descobriram a agricultura e passaram a ter uma relação mais próxima com a natureza. Com a descoberta do papel masculino na reprodução, entretanto, era necessário saber quais os filhos que pertenciam a determinado homem para garantir a sucessão da herança. Inicia-se, desta forma, o controle sobre o corpo da mulher e o fato de mantê-la no âmbito do lar e cuidando da prole de um relacionamento monogâmico, facilitava tal intuito.
Através do desenvolvimento do capitalismo, as diferenças de gênero foram intensificadas. As mulheres foram, estrategicamente, encarregadas do trabalho doméstico, cuidando da casa, das crianças, dos velhos e doentes, além de “servirem” o marido, sendo caracterizadas como “rainhas do lar”. O trabalho doméstico foi considerado gratuito e denominado como trabalho não produtivo. Ao capitalismo a submissão social da mulher serviu inicialmente para diminuir os custos de reprodução do trabalho, uma vez que o salário do homem não precisava ser tão alto, pois ele não necessitava pagar pelos serviços domésticos (MIES, 1989: 47).
Simone de Beauvoir (BEAUVOIR, 1968) denuncia em seu livro O Segundo Sexo a exclusão das mulheres do espaço público em função da naturalização do papel feminino na reprodução. Desta forma, a mulher passa a ter uma vida cíclica, quase inconsciente, enquanto aos homens são reservados todos os benefícios da “civilização”[1]. Esta “naturalização” da tarefa feminina na reprodução e na vida doméstica, bem como a responsabilidade pela alimentação e saúde da família, acabou aproximando a mulher da natureza. Em muitas culturas as mulheres são as responsáveis pela manutenção da biodiversidade. Elas produzem, reproduzem, consomem e conservam a biodiversidade na agricultura (MIES/SHIVA, 1995: 234). Portanto, a tendência é que, para as mulheres, o equilíbrio do meio ambiente venha a se apresentar como um fator fundamental para a qualidade de vida da família, concebendo, assim, a natureza como fonte de vida que precisa ser preservada[2].  Enquanto isto, na visão capitalista patriarcal, a natureza não passa de um mero objeto de exploração, dominação e poder.
Os filósofos adeptos à ecologia profunda[3] afirmam que, se os homens estivessem mais próximos às tarefas domésticas e de reprodução, haveria um ganho na qualidade de vida e, conseqüentemente, na proteção ambiental, uma vez que eles teriam uma percepção real da unidade e interdependência dos seres humanos com o meio ambiente. As mulheres já fazem isto, porque a elas foi deixada a tarefa do cuidado e da manutenção da vida (CAPRA, 1996).
3. Ecofeminismo
O ecofeminismo originou-se de diversos movimentos sociais – de mulheres, pacifista e ambiental – no final da década de 1970, os quais, em princípio, atuaram unidos contra a construção de usinas nucleares. O movimento ecofeminista traz à tona a relação estreita existente entre a exploração e a submissão da natureza, das mulheres e dos povos estrangeiros pelo poder patriarcal (MIES/SHIVA, 1995: 23). Assim, a dominação das mulheres está baseada nos mesmos fundamentos e impulsos que levaram à exploração da natureza e de povos. Tanto o meio ambiente como as mulheres são vistos pelo capitalismo patriarcal como “coisa útil”, que devem ser submetidos às supostas necessidades humanas, seja como objeto de consumo, como meio de produção ou exploração. Além disso, o capitalismo patriarcal apresenta uma intolerância diante de outras espécies, seres humanos ou culturas que julga subalternas ao seu poder, buscando, assim, dominá-las. Neste contexto estão inseridos tanto o meio ambiente quanto as mulheres.
O ecofeminismo pode ser dividido em três tendências:
a)      Ecofeminismo clássico. Nesta tendência o feminismo denuncia a naturalização da mulher como um dos mecanismos de legitimação do patriarcado. Segundo o ecofeminismo clássico, a obsessão dos homens pelo poder tem levado o mundo a guerras suicidas, ao envenenamento e à destruição do planeta. Neste contexto, a ética feminina de proteção dos seres vivos se opõe à essência agressiva masculina, e é fundamentada através das características femininas igualitárias e por atitudes maternais que acabam pré-dispondo as mulheres ao pacifismo e à conservação da natureza, enquanto os homens seriam naturalmente predispostos à competição e à destruição;
b)      Ecofeminismo espiritualista do Terceiro Mundo. Teve origem nos países do sul, tendo a influência dos princípios religiosos de Ghandi, na Ásia, e da Teologia da Libertação, na América Latina. Esta tendência afirma que o desenvolvimento da sociedade gera um processo de violência contra a mulher e o meio ambiente, tendo suas raízes nas concepções patriarcais de dominação e centralização do poder. Caracteriza-se também pela postura crítica contra a dominação, pela luta antisexista, antiracista, antielitista e anti-antropocêntrica. Além disso, atribui ao princípio da cosmologia a tendência protetora das mulheres para com a natureza;
c)      Ecofeminismo construtivista. Esta tendência não se identifica nem com o essencialismo, nem com as fontes religiosas espirituais das correntes anteriores, embora compartilhe idéias como antiracismo, anti-antropocentrismo e anti-imperialismo. Ela defende que a relação profunda da maioria das mulheres com a natureza não está associada a características próprias do sexo feminino, mas é originária de suas responsabilidades de gênero na economia familiar, criadas através da divisão social do trabalho, da distribuição do poder e da propriedade. Para tanto, defendem que é necessário assumir novas práticas de relação de gênero e com a natureza.
PULEO alerta para a debilidade teórica existente nas duas primeiras tendências, como também para um possível risco de se afirmar a utilização de estereótipos femininos na sociedade. O ecofeminismo construtivista, por sua vez, desconsidera a importância da mística, o que acaba dificultando a mobilização das mulheres em torno do tema, elemento este que para o ecofeminismo espiritualista tem representado uma força prática efetivamente mobilizadora.
As mulheres pobres do Terceiro Mundo, que vivem em uma economia de subsistência, são as maiores vítimas da crise ambiental em seus países, pois são as primeiras a sentirem o reflexo da diminuição da qualidade de vida causadas pela poluição ou escassez dos recursos naturais, os quais são explorados indiscriminadamente para satisfazer as “necessidades” do Primeiro Mundo. A lógica do capitalismo tem se demonstrado incompatível com as exigências ecológicas para a sustentabilidade da vida no planeta. Portanto, ao contrário do que muitos ecologistas pensam, não é possível ecologizar o capitalismo, assim como também não é possível acabar com a dominação e exploração do gênero feminino sem superar as estruturas capitalistas patriarcais que a mantém. Deste modo, tanto a solução da crise ambiental quanto a da opressão das mulheres não devem ser tratados como problemas isolados. A salvação da vida no planeta, assim como a emancipação não só das mulheres como de todos os seres humanos, dependem de uma mudança estrutural e organizacional da sociedade. E para isto, é imprescindível a ação conjunta dos movimentos sociais contra seu opressor comum: o capitalismo patriarcal.

Referências bibliográficas:
BEAUVOIR, Simone de. Das andere Geschlecht: Sitte und Sexus der Frau. Hamburg: Rowohlt, 1968.
CAPRA, Fritijof. A teia da vida. São Paulo: Cultrix, 1996.
ENGELS, Friedrich. Dialetik der Natur. MEW 20. Berlin: Dietz Verlag, 1972.
MIES, Maria. Patriarchat und Kapital. Frauen in der internationalen Arbeitsteilung. Zürich: Rotpunktverlag, 1996.
MIES, Maria/SHIVA, Vandana. Ökofeminismus: Beiträge zur Praxis und Theorie. Zürich: Rotpunkt-Verlage, 1995.
PULEO, Alicia H. Feminismo y ecología. Disponível no site: http://www.nodo50.org/mujeresred/ecologia-a_puleo-feminismo_y_ecologia.html 
PUSCH, Luise F. Feminismus – Inspektion der Herrenkultur. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1983.

URBANISMO SUSTENTÁVEL

May East e a Gaia Education

May East, diretora do Gaia Education, programa vinculado à ONU que dissemina o conceito de urbanismo sustentável. Mora na ecovila Findhorn, Escócia, e viaja o mundo para impulsionar o movimento das cidades em transição (Transition Towns). Desde que foi criado há pouco mais de três anos, gerou mais 8 mil iniciativas de transição e 180 cidades oficialmente reconhecidas espalhadas pelo mundo


Edição Marcia Bindo *
Vida Simples - 07/2010 
O que são as cidades em transição? 
São cidades preparadas para serem sustentáveis, mais fortes para resistir às crises econômicas e ambientais. É muito diferente do movimento ambientalista dos últimos 20 anos. Em vez de trabalhar com dados alarmantes, é positivo, busca ações concretas criativas para o desafio duplo que espreita a humanidade: o pico do petróleo e a mudança climática. 

Como funciona na prática? 
Em encontros comunitários, busca-se entender a dinâmica da cidade ou do bairro no consumo diário de energia e recursos. Um exemplo é a alimentação, priorizando-se a produção local e a compra em estabelecimentos regionais, o que ainda fortalece a economia local. Priorizam-se transportes coletivos e ciclovias em lugar de carros com apenas uma pessoa. 

Como as pessoas podem se engajar? Basta um pequeno grupo para começar a mobilizar tantas outras para projetar como é a cidade em que eles querem morar daqui a alguns anos. Acesse  para ver a metodologia e checar os próximos treinamentos. Já há grupos em bairros de São Paulo e Rio de Janeiro e a primeira cidade em transição oficial no Brasil fica no Espírito Santo. 

* Colaboração: Leandro Sarmatz, Liane Alves, Luciana Loew, Rafael Tonon e Taruna Moa