domingo, 20 de fevereiro de 2011

A Pessoa, o ambiente e o chá - Régis Barbier

TRIANGULAÇÃO DA AYAHUASCA

Ayahuasca como um fenômeno tríplice: A Pessoa, o Ambiente e o Chá

Sobre a influência da Ayahuasca, a intensidade dos estímulos - tanto por amplificação e enriquecimento de detalhes e pontos de vistas perceptuais quanto pelo maior influxos de dados perceptivos - aumenta consideravelmente as possibilidades de respostas à experiência. Devido a essa magnificação da percepção, uma atenção especial tem se dado à qualidade dos estímulos provenientes tanto do indivíduo quanto do meio onde o chá esta sendo utilizado.

A hipótese denominada em inglês de “set and setting” foi inicialmente formulada por Timothy Leary nos anos 60 no âmbito das pesquisas iniciais com agentes psicoativos e foi rapidamente aceita pelos demais pesquisadores da área. A teoria geral determina que o conteúdo de uma experiência com substância psicoativa é uma resultante da interação de três fatores básicos.

Os fatores essenciais são: o “set”, que traduzo como sendo o “fator pessoal”, isto é aquele que o individuo traz consigo, os seus conteúdos (intenção, atitudes, personalidade, humor, etc.); o “setting” ou “fator ambiental” corresponde a todos os elementos externos ativos e capazes de influir a experiência (fatores interpessoais, social, ambiental, o âmbito). A substancia em si, o “Chá” age como um gatilho, ou catalisador, a conectar e por em interação os fatores citados numa dinâmica especifica, criativa e intensa.

É evidentemente impossível definir qual dos fatores é o mais importante tanto quanto é impossível dizer qual o lado mais essencial de um triângulo isóscele. Contudo “o âmbito” é a vertente da experiência que pode ser programada, estudada, ensaiada e cuidadosamente preparada para um melhor proveito.

O Fator Pessoal

Como a Ayahuasca revela o nosso lado oculto, abrindo as portas do in-consciente numa linguagem psicológica, um enorme leque de opções e qualidade de experiência se apresenta. Na realidade essa poção psicoativa revela e liberta o que está dentro da pessoa, tornando a mente manifesta (ou seja, efeito “psicodélico” como “manifestação da mente”). A mente se torna sujeita a observação e, por isso mesmo, a transformação.

A fluidez e a qualidade do deslocamento do ayahuasqueiro nesse labirinto psíquico depende antes do tudo do fator pessoal, do “conteúdo” que inclui os elementos do inconsciente pessoal, o registro da experiência de vida, assim como os mecanismos condicionantes em operação – recatos e defesas – a determinar a liberdade de opções, a qualidade, riqueza e legitimidade das interpretações, enfim, os principais desafios do indivíduo.

Outro aspecto importante do conteúdo consiste nos valores e critérios pessoais; atitudes, aspirações, expectação, intenção e ética. Estes elementos irão influenciar a atração da atenção e determinarão o modo da pessoa lidar com o material psíquico revelado.

O Fator Ambiental

O fator ambiental se refere aos fatores externos ao indivíduo e capazes de influenciar a experiência: o lugar onde o chá é servido; a atmosfera do ponto de vista cultural, espiritual e emocional; como o indivíduo está sendo atendido; a quantidade de pessoas envolvidas; o tipo de liderança aplicada na experiência são alguns dos fatores a considerar.

Normalmente o indivíduo se torna bastante impressionável quando sofre os efeitos de substâncias como a Ayahuasca, estado decorrente da magnificação perceptual já mencionada. Esse efeito acoplado como o aumento da perspicácia, capacidade metafórica e habilidade em gerar psico-associações criativas, alimenta o lado noético e o imaginário da experiência.

É obvio que essa “impressionabilidade” não significa que o ayahuasqueiro é mais facilmente suscetível de influência do que o homem comum ou do que os fiéis das religiões de massas, por exemplo. O grau de credulidade, ingenuidade, ou então de cepticismo de um indivíduo reflete opções cognitivas, filosóficas, assim como traços de personalidade profundos e estáveis, até mesmo inerentes, que não serão transbordados pela “força e influência” do chá. Ao contrário, são justamente esses conteúdos profundos do indivíduo – inclusive tendências básicas como credulidade ou cepticismo - que determinam a maneira de significar a experiência.

O tipo e da qualidade do sistema de crenças, da visão, pertinente ao âmbito social no qual a experiência irá ocorrer assim como o tipo de liderança e dinâmica dos trabalhos são fatores essenciais, capazes de influenciar em grande parte a harmonia e tranqüilidade da experiência; possuir uma boa descrição do âmbito onde se irá comungar a poção é um fator importante. Uma liderança não muito interventiva e tranqüila favorece o acesso e estudo dos conteúdos pessoais, o exame e integração da sua própria trajetória, o encontro de caminhos e conceitos próprios.

Um facilitador precisa ser paciente, empático, familiarizado com os processos da experiência; ele pode ser muito efetivo sabendo refletir os pontos essenciais, fazer perguntas, observações aparentemente casuais. Cantos, músicas, atitudes e até mesmo orientações diretas bem dosadas, podem ser importante para facilitar uma experiência suave e rica.

O ayahuasqueiro descobrirá que dividindo possíveis dificuldades com companheiros receptivos e compreensivos poderá gerar claridade e conforto. Finalmente, e na maioria das vezes, o melhor guia é a nossa própria consciência e esse processo interno não deve ser interferido a não ser quando solicitado.

Rituais inspiradores, universais e holísticos, ambientes naturais, atividades espontâneas e criativas, permitem a focalização da atenção para regiões psíquicas interessantes.

Os próprios conteúdos, junto com a configuração de ambiente, a qualidade do chá, a própria intenção e a do grupo, configuram um processo singular, uma “gestalt”, um “ser maior”, o próprio eu transpessoal da experiência. Reconhecer e ter certeza de estar em sintonia e harmonia com esse “ser maior” gerado pelo evento é a chave de uma experiência de grupo bem sucedida.

* Cepticismo: atitude ou doutrina segundo a qual o homem não pode chegar a qualquer conhecimento indubitável, quer nos domínios das verdades de ordem geral, quer no de algum determinado domínio do conhecimento.

O Chá

Investigações demonstram a variabilidade do chá na sua composição química. Fatores dependentes, das plantas e lugar de origem, da hora da colheita, do preparo (quantidade relativa das duas plantas, grau do apuro e tipo de água utilizada - fatores com pH, teor mineral da água) todos influenciam a qualidade do chá e, portanto os seus efeitos. A quantidade utilizada durante uma cerimônia é também um fator decisivo. Quantidades habituais ou moderadas permitem uma observação melhor dos seus próprios conteúdos, um estudo detalhado da sua própria psicodinâmica. Quantidades maiores são necessárias para se “viajar no astral” na linguagem dos usuários de algumas seitas. A utilização de grandes quantidades de chá, acima de 300 mililitros, numa única tomada é mais bem aproveitada em ambiente especifico, mais reservados com uma supervisão adequada favorece o tipo de vivência descritas na fenomenologia como “experiências místicas”.

Com uma prática adequada e um considerável trabalho sobre si mesmo é possível se chegar aos mesmos resultados com dosagens menores.

Régis Alain Barbier
(Médico, é ex-professor de Cinesiologia e Cinesioterapia do Departamento de Reabilitação da UFPE. É autor de artigos científicos na área médica e do livro "De habilis a Sapiens" A anamnese de uma crise - Companhia Editora de Pernambuco. 1998. PeBPEPCB - CDU 007 CDD 003.5. Vive no Brasil desde 1972 e vem investigando a Ayahuasca e a sua utilização desde 1988. É fundador e presidente da Sociedade Panteísta Aya-huasca.)=========================================

Nenhum comentário:

Postar um comentário